quinta-feira, 26 de março de 2009

quando me veio o medo

foi quando eu não esperava. não passava pelo pensamento sequer rastro. aconteceu nos primeiros dias do outono, quando os dias ainda são quentes, mas as manhãs e as noites são temperadas pelo vento noroeste. aquele mesmo que levanta as saias e brinca entre as pernas, que enlouquece com seu cantar constante, que seca, derruba e arrasta as folhas.

era outono. era tarde. o sol quase a se pôr. eles encontravam-se sentados. ombro com ombro. lado a lado. não se olhavam, mas conversavam sobre algo que eu não compreendia, pois estava com fones de ouvido. um aceno de cabeça em minha direção, uma sombra de sorriso nos meus lábios.

ele me veio. medo. me abraçou e seus braços eram frios. segurei a alça da bolsa, ele não poderia me levar dali. diminui o volume dos fones, a voz feminina dentro deles ia dizendo '... calendário que nunca chega ao fim...' mas se calou antes de completar a frase. então eu pude ouvir a voz dele: noite, pai, porta da cozinha. ou qualquer coisa assim.

o medo encostou a cabeça nos meus ombros e sorriu maudosamente quando me arrepiei com seu toque. eu disse não! o medo disse sim! foi então que eles se levantaram. ele. ela. caminharam de costas para mim. a luz que dançava no espaço entre os dois corpos se desfez, as mãos se tocaram, os corpos se juntaram e caminharam abraçados.

nessa hora o medo entrou pela minha boca, deu nó na minha garganta, desceu e me chutou o estômago por dentro: uma, duas, dez, mil vezes. depois ele se foi e me deixou como antes: só.

e embora toda a solidão que já senti na vida, nunca fui tão só quanto no momento que se seguiu. o abandono do medo e a certeza que ele não me esqueceu. que voltará. porque o medo sempre volta. e meu coração pesa no peito. um peso que sozinha eu não suporto carregar.