segunda-feira, 29 de setembro de 2008

no país das maravilhas...

- mas eu não quero me encontrar com gente louca. observou alice.

- você não pode evitar isso. replicou o gato. todos nós aqui somos loucos. eu sou louco. você é louca.

- como sabe que eu sou louca? indagou alice.

- deve ser. disse o gato. ou não teria vindo aqui.

domingo, 28 de setembro de 2008

seus dedos indecisos, suas unhas
seu rosto contra o sol, seu pedido por chuva
suas roupas bem passadas, seu casaco pendurado
suas marcas, suas pegadas
seus vidros embaçados, ou a ausência deles
sua vista prejudicada, seus cílios
ah... os seus olhos, seus cabelos
sua pele, suas plantas
seus mapas, seus caminhos partilhados
seu botão perdido, sua flor de outono
seu dançar, seus bolsos
suas mãos repousadas
seu mirar-me, seu seguir
seu ficar, seu partir

sábado, 27 de setembro de 2008

nunca está

ele nunca está onde eu o busco. não está nos bares. nem no cinema. entre as estantes alguém me disse: 'ele passou por aqui a pouco'. e eu no seu rastro. ele não apareceu pro almoço. lhe preparei bolo de nozes. nem sei se ele gosta. possivelmente, deteste. péssima cozinheira que sou. ele me esperou virar as costas e cuspiu tudo no lixo. hoje não saiu pra caminhar. deve ser por causa do vento. sentei no banco de concreto, com o livro que não li e esperei. que sua figura fizesse a curva. com roupas ridículas de ginástica. talvez sem os óculos. mas eu nem notei. hoje ele não vem. atrasou-se pelo centro. ou está cuidando pra que não queime a panela, olhos atentos no relógio. não pode distrair-se. e eu não queimei minha língua. ele é imprevisível como deveria mesmo ser. seu rio segue pra longinho de mim, já que praia eu não tenho. ele nem precisava existir. e como me distrai dos meus papéis a sua lembrança. chego a me esquecer que não preciso provar a ninguém o quanto sou capaz. e finjo acreditar. que estar lá não fará de mim alguém melhor do que sou. repito: não fará. pois em mim está o peso das minhas escolhas. ele está cercado por estranhos e lindos. eu os admiro. como são bonitos os olhos e os sorrisos. queria usurpar um pouco da sua felicidade. se eu pudesse dividir além de mim o que me habita. e o peso contente de habitar-me. é a alegria que carrego e ele sabe. se não sabe, saberá quando vier.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

você lembra lembra...

lembra quando nos jogávamos na chuva? sem pressa e sem preocupar-nos se passaríamos o dia com os sapatos molhados. caminhávamos pulando propositalmente nas poças, como se fossemos nós as gotas de chuva e nós somos.

lembra o ruído do assoalho? na madrugada, enquanto inventávamos como consumir nossa herança de pouco sono. visitas ao quintal. fecha os olhos. imagine-se. não consigo. não consigo me ver quando fecho os olhos.

lembra? como sempre fui eu ruim em falar. como te ouvia em silêncio e depois te escrevia uma carta de três folhas. como sempre escolhia a palavra mais bonita pra te convencer.

lembra da dança na frente do espelho? das canções que não nos revelava. das minhas nem sempre consentidas ausências. lembra o vento na janela? os vidros fechados, o mundo todo cabia lá dentro.

de quando era fácil. qualquer lugar era perto. qualquer sonho ao alcance. qualquer música, dança. qualquer motivo pra um sorriso. gargalhar. porque todas as coisas têm a sua graça. e tudo permanece. ainda são. todos possíveis.

lembra?

sim, eu me lembro!

morri!

e não haverá sanduiches no velório!






terça-feira, 23 de setembro de 2008

bela maneira de começar a primavera. me deliciava naquele corpinho pálido. a pele dela trazia vários tons de vermelho por conta dos meus apertos. busquei seus olhos para que me olhasse lindamente quando percebi que eles miravam acima dos meus ombros qualquer coisa que não existia no teto. a boca estava aberta e língua dentro dela estava frouxa. estava com cara de xaxim.

segurei-a pelo queixo e balancei seu rosto. nada. os olhos permaneceram parados. ela morreu enquanto trepávamos. morreu de nenhum motivo aparente. apenas morreu. quieta como sempre costumava ser. nem mesmo seus gemidos baixos. que coisa. como diria isso aos pais dela?

'boa noite, estava comendo sua filha e aparentemente ela morreu. sabe se ela possuía plano funerário?'

definitivamente não era a melhor forma de começar a estação florida do ano. vou pra rua. a cor dela ainda está nas coisas ao redor. no vermelho e branco da embalagem do cigarro que ela fumava, no azulejo do bar onde tomávamos nossos porres, de quinta ou de sexta, dependendo do seu humor. será que quando eu voltar ela terá acordado? ou quem sabe se dissolverá no ar, como deveria acontecer com os mortos. talvez passe por lá um anjo e carregue seu corpo pro céu.

não, ela não iria para o céu. no máximo ela deixaria de existir ou vagaria ainda por esse mundo tentando desapegar-se de seus pequenos tesouros.

'amigo, me empresta o isqueiro?'

'claro, se você me arrumar um cigarro!'

não sei se voltarei pra casa. se devo voltar. dar um rumo naquele monte de matéria inútil que repousa sobre a cama. esqueci de cobrí-la. pobre mulher. eu a amava imensamente. será que a loja aceitará devolução das alianças?

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

paraty para ti

ele dispensou os créditos. disse que essas coisas são bobagens. tudo bem. eu não saberia como fazer isso sem parecer forçado e sem poluir imagem tão bonita que o seu olhar registrou.

'essa é a sua cara, porque é a única que tem florzinhas'

foi o que ele disse e nem precisava para que a foto me ganhasse! e eu precisava mesmo de uma coisa bonita pra ficar por aqui...

domingo, 21 de setembro de 2008

em casa

toda vez que se movimenta durante o sono ela desperta. é sempre assim que acontece. a pálpebra esquerda insiste em tremular há pelo menos dois dias.

febre. foi a manutenção na dose do medicamento que te fez queimar por uma madrugada inteira.

- vai passar! quer um chá da flor que acalma e que tem nome de moça? ou seria a moça que tem nome de flor que acalma?

depois do chá te levarei ao médico. não discuta comigo. você precisa de um médico. admiro essa sua auto-cura, seus livros de ervas milagrosas e receitinhas, mas hoje não, por favor. deixe-me guiar. você precisa de uma droga. manipulada e eficaz.

logo o tremor passará. e eu voltarei pra casa. eu sei que não é seguro. mas não acontecerá nada. essa cidade é perigosa mas tomarei cuidado. eu até pediria que a outra me acompanhasse, mas tem o neném.

tudo bem, essa noite ficarei por aqui. amanhã eu vou embora. me empresta um pijama e uma meia. e qualquer coisa que eu possa segurar. podemos dormir na mesma cama? então põe um colchão na sala. com a televisão e alguma sorte eu pego no sono.

o remédio te deixou sonolenta, eu sei... mas conversa um pouco comigo! vamos falar sobre o que faremos no natal, ou sobre suas aulas! me encho de orgulho, como se fosse eu a tua mãe! me acolha no aconchego do teu abraço ninho, como nos tempo em que eu cabia nele.

apesar da febre e talvez por causa dela, teus olhos trazem um brilho ainda mais esverdeado. amo teus olhos. mesmo quando me olham com reprovação. como agora. é verdade, eu não me emendo! sempre me arrependo de te contar essas coisas, é que às vezes eu me esqueço o quanto você costuma ser conservadora!

mas prometo ser uma boa menina. não me perderei por aí em qualquer aventura. você sabe que eu sempre me viro bem. mesmo quando me viro mal. estudarei como você sempre quis. mas não porque você quis. porque tem que ser.

e dessa vez tentarei ser uma coisa de cada vez.

você mesmo doente sempre ouve os meus planos. não irei pra longe. não por enquanto. a febre já tá baixando. pode ir deitar. está bom assim. se precisar pego outro cobertor, sei onde ficam! boa noite.

sábado, 20 de setembro de 2008

coragem...

antes rupturas que viver subjugado.

o meu amor é uma página virada e uma outra por escrever

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

feliz aniversário

'tanta falta me faz você! queria ter você em casa...'

queria te dedicar palavras bonitas, se você pudesse ouvi-las. mas não sou boa em falar, e você bem sabe. só herdei o teu nariz e não a capacidade que você tem de dizer coisas especiais e me fazer rir nas horas certas.

e eu me dei conta de que não tenho mais dez anos. acordei e o queijo não estava sobre a pia, coberto com um guardanapo de pano. as coisas estão no lugar. isso quer dizer que você não passou por aqui. se passasse talvez estivesse a kombi azul no meu portão e você lindo lindo! como sempre foi!

o que diria você, do alto dos teus cinquenta e cinco anos, se visse a tua menina assim? talvez você não aprovasse o excesso de vermelho! nos batons, nos esmaltes... mas você iria gostar de experimentar meu café!

não esqueci teu aniversário, 'chérie'! nunca esquecerei! meu presente é te imaginar sempre presente!

te amo!

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

escreveria muitas linhas sobre nós, mas me disseram que não devo me estender por demais. porque quanto mais me prolongo, menos me faço entender.

não que qualquer um de nós mereça essa minha escrita. não que valhamos mais que uma tubaina sem gelo ou duas garrafas por uma maçã do amor. desconfio que o que valemos, na verdade, não está mais em nós. nos dividimos entre aqueles com quem queríamos deixar um pouco do que somos. umas vezes, impulsiva e deliciosamente. outras, nem tanto. mas o fato é que não nos poupamos. e nem tentamos! trago agora um pouco de nós, na minha caixa com fitas.

imagino nós, imperfeitos como somos a partilhar muito mais que desencontros. e quando confirmamos que no mundo existe muita gente, estávamos assim imersos na sabedoria inútil e falha do acaso, que não nos colocou, mas pelo menos nos impulsionou, de alguma maneira, ao momento e estado em que nos encontrávamos.

escreveria muito mais sobre nós. se essas nossas coisas se explicasse pelas palavras. se não fosse meu jeito de fugir. aqui não quero me encontrar. prefiro não fazer sentido.

é provável que eu pense em nós. em noites de pouco sono. e não por razões sentimentais. mas pelo simples consolo, ainda que a distância, de te saber existente e convivermos.

despeço-me. até breve. o dia em que a saudade bater no teto.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

de onde eu moro só vejo o topo das árvores. mas eu sei que ali existe um bosque. nunca fui até lá. o que já era de se esperar já que faz só um mês que eu moro aqui. e aqui é bom porque não tem o cachorro. e é ruim porque não tem o cachorro. gosto de abrir meus braços e pensar que o mundo todo cabe entre eles. ando como quem procura entre os que correm pelo dia algo que possa se prender a minha retina. irritabilidade diurna. fome vespertina. ânimo na madrugada. despertar tem o gosto seco e amargo de quem dormiu com a boca aberta. e por ela fugiram alguns sonhos e pela minha garganta passearam algumas criaturas da noite. e meu corpo amanhece com um estranho brilho. comi os olhos dos que me visitaram e guardei na barriga o brilho dos olhares. só pode ser isso. sim, há folhas nos galhos e há flores. todas as flores do mundo são minhas. o mundo só existe pra contemplar a vida das flores. e eu trago um jardim nas costas. sempre deposito as mais bonitas aos meus mortos. para que a sua existência aí nos sete palmos seja sempre perfumada. e se na próxima encarnação você for uma barata, venha morar no ralinho do meu banheiro...

eu queria ser audrey hepburn


e mais nada!

"sabe qual é o seu problema, srta. quem quer-que-seja? você é medrosa. não é corajosa. tem medo de encarar a realidade e dizer: 'a vida é assim'. as pessoas se apaixonam e pertencem umas às outras. é a única chance que realmente têm de serem felizes. você acha que é livre e selvagem e morre de medo de ser enjaulada. bom, querida, você está na jaula que você mesma construiu. e não só em tulip, texas ou na somália. estará sempre nela. não importa para onde corra, estará sempre trombando consigo mesma."

(paul varjack - bonequinha de luxo)

domingo, 14 de setembro de 2008

fuga

aline tem medo do espelho no elevador. aline comendo pão com requeijão na padaria. aline pede o café de bule nosso de cada dia. aline trancada pro lado de fora sem saber onde deixou as chaves. aline esqueceu de pagar a conta do telefone. aline mandando um motoqueiro a merda. aline dá banho no gato, aline gritou com sua mãe no telefone. aline comemorando um gol, dois, três gols! aline trabalha fins de semana. aline pouco se importa em trabalhar fins de semana. aline pedindo colo. aline não resiste a mais um brigadeiro. aline ama os que a cerca. aline curte um friozinho e um pouco de chuva. aline empolga-se com um dia de sol. aline trocando olhares com um desconhecido. aline experimentou coxinha de carne seca. aline de saia descosturada, aparecendo a calçinha. aline dança ciranda de roda. aline cantando desafinado. aline acende um cigarro. aline apaga um cigarro. aline com o esmalte descascado. aline dois quilos mais gorda. aline não dorme sem o coelho azul. aline tem trabalho atrasado. aline implorando pra não ser pressionada. aline estudando pro vestibular. aline fingindo estudar pro vestibular. aline troca de roupa. aline usa faixa nos cabelos. aline é previsível e cafona. aline escutando as mesmas músicas. aline nunca decora as letras das músicas. aline finge se interessar por conversinhas sobre a vida alheia. aline manda todos calarem a boca mentalmente. aline sempre faz uma careta quando não curte. ou pisca um olho quando curte. aline chora quando precisa pedir favores. aline prefere se foder sozinha a ter que pedir ajuda a alguém. aline tentando ser generosa. aline tentando retribuir os sorrisos que a vida lhe dá. aline queria fugir de casa. mas lembra-se que já fez isso.

sábado, 13 de setembro de 2008

a urca

por nando reis

'não posso mais olhar para um prato
que eu vejo cor-de-rosa
cor-de-rosa era a cor do nosso prato

não posso mais pegar um taxi
que vá pelo aterro
se eu olho para o lado esquerdo eu vejo a sua casa.

será que é a sua casa ainda?
será que é você naquela janela?
a urca é linda e eu não coube dentro dela.

não posso mais guiar o seu carro
porque eu tô por fora.
eu tô de fora do seu álbum de retratos.

não posso mais ficar sozinho
com um pensamento
eu não aguento tanto tempo longe dessa casa.

será que é minha a sua casa ainda?
será que eu ainda caibo dentro dela?
a urca é linda mas você ainda é muito mais bela.'

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

céu pra passear

eu me lembro como era rezar. ajoelhar-se, fechar os olhos, juntar as mãos e fazer uma prece. um pedido. algo que acredita-se merecer. ou grato por tudo que se tem. e que provém desse tal alguém a quem a prece se dirige.

aos sete eu me ajoelhava, com uniforme azul, numa fila de garotas atrás de um banco e pedia... que aquilo acabasse logo. pra ir embora. que não houvesse lição de casa naquele dia. assim eu ficaria somente com meus gibis e com meu pai. fechava os olhos e contava o tempo nos dedos dos pés.

tenho medo de um dia esquecer dessas coisas. tenho medo de esquecer como era olhar para uma esquina quando eu tinha um metro e vinte de altura e de como sim, alguma coisa acontecia no meu coração. numa esquina qualquer. em todas elas.

a cozinha não era branca. o armário, a mesa, a geladeira e o fogão. tudo era azul. minha mãe prendia os cabelos num coque e alguns cachos ficavam soltos. as cortinas, floridas.

depois do almoço meu pai às vezes me tirava pra dançar. o único homem que já me tirou pra dançar. segurava minhas mãos, pedia que eu fechasse os olhos. dizia: agora menina, nós vamos flutuar... e me rodava até meus pés sairem do chão... cantava em francês a canção que tem o meu nome. era o céu onde eu passeava...

as peripécias da espécie

'andar acompanhado de ti faz meu coração se sentir melhor'

as coisas estão no mesmo lugar de antes...
um pouco mais de poeira, e eu trazendo mais desordem...
roupas secas pra recolher, dois copos e um prato pra lavar. bananas foram para o lixo.
a luz que entra pelos vãos da persiana parece mais azul.
como está quente!
todo esse calor... me faz pensar em pão quentinho...
ai ai...

domingo, 7 de setembro de 2008

acróstico

porque um dia nesse mundo, alguém já me quis contente!

laje de louça coas águas das bicas
ilhas perdidas coas nuvens de chuva
curva e recreio, riso, menina,
ave de rima, vôo de espuma

andré boniatti

barco

o barquinho caprichoso fez a curva do rio. perdeu-se.

nem deu valor ao meu último aceno...

mas veja! está vindo outro! muito mais bonito e colorido! está chegando...

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

os medos mais toscos!

- fogos de artifício!
nunca me convide pra um ano-novo na praia.

- espelhos
alguma coisa que não sou eu, fica me olhando quando eu olho pra ele... credo!

- vacas
mas precisamente dos olhos das vacas... são insanos, já repararam?

- gente morta
não espíritos. mas pessoas mortas em caixões! nunca vi um morto na vida! nem meu pai, nem minhas avós! o único velório que eu quero ir é no meu!

acho que é só!

baratas? sapos? altura? escuro? estuprador?

não, não... esses eu tiro de letra!