terça-feira, 23 de setembro de 2008

bela maneira de começar a primavera. me deliciava naquele corpinho pálido. a pele dela trazia vários tons de vermelho por conta dos meus apertos. busquei seus olhos para que me olhasse lindamente quando percebi que eles miravam acima dos meus ombros qualquer coisa que não existia no teto. a boca estava aberta e língua dentro dela estava frouxa. estava com cara de xaxim.

segurei-a pelo queixo e balancei seu rosto. nada. os olhos permaneceram parados. ela morreu enquanto trepávamos. morreu de nenhum motivo aparente. apenas morreu. quieta como sempre costumava ser. nem mesmo seus gemidos baixos. que coisa. como diria isso aos pais dela?

'boa noite, estava comendo sua filha e aparentemente ela morreu. sabe se ela possuía plano funerário?'

definitivamente não era a melhor forma de começar a estação florida do ano. vou pra rua. a cor dela ainda está nas coisas ao redor. no vermelho e branco da embalagem do cigarro que ela fumava, no azulejo do bar onde tomávamos nossos porres, de quinta ou de sexta, dependendo do seu humor. será que quando eu voltar ela terá acordado? ou quem sabe se dissolverá no ar, como deveria acontecer com os mortos. talvez passe por lá um anjo e carregue seu corpo pro céu.

não, ela não iria para o céu. no máximo ela deixaria de existir ou vagaria ainda por esse mundo tentando desapegar-se de seus pequenos tesouros.

'amigo, me empresta o isqueiro?'

'claro, se você me arrumar um cigarro!'

não sei se voltarei pra casa. se devo voltar. dar um rumo naquele monte de matéria inútil que repousa sobre a cama. esqueci de cobrí-la. pobre mulher. eu a amava imensamente. será que a loja aceitará devolução das alianças?