quarta-feira, 30 de julho de 2008

um pouco sobre ele

admirava-o. não só pelos nossos inconfundíveis laços de sangue. inconfundíveis pois tínhamos e ainda temos as mesmas feições, a mesma expressão, o mesmo jeito de rir, franzindo o nariz.

costumávamos passar tardes intermináveis pelo quintal: na sombra do abacateiro, cuidando da 'nossa' árvore, que está lá na calçada até hoje. e continua a brotar nela flores brancas, com aquele cheiro que me faz pensar nele.

admirava-o e ainda admiro por aquele jeito dele de me chamar de 'ma chérie' ou cantar 'et j'ai crié, crié... aline! faut qu'elle revienne', ou ainda pela espontaneidade com que ele alinhava todos os seus documentos em cima da mesa e passava a tarde a fotografá-los.

outra coisa que eu amava, e ainda amo nele: suas fotografias. ele era um péssimo fotógrafo, sempre cortava cabeças, pernas, e quantas fotos ele não estragou colocando o dedo na frente do foco. mas na minha cabeça de criança, e ainda hoje, na minha cabeça de adulta eu acho tudo que ele fotografou perfeito! e cada uma daquelas imagens são como tesouros pra mim, assim como eram pra ele. pois tem nelas um jeito de existir que era só dele...

ele me fazia queijo fresco e coalhada. com cuidado e capricho. me deixava não tomar leite, não comer chuchu, desembaraçava meus cabelos, contava histórias de pessoas loucas, em camisas de força, comedores de baratas, assassinos de tatu!

eu achava, e ainda acho, que nunca um ser insano, de uma mente doente, foi tão adorável, mesmo em suas crises. a mim, nunca faltou um colo, um olhar doce, uma piada, sua atenção, um balanço de madeira no fundo do quintal.

só ele tinha coragem de carregar o cachorro no ônibus, de me fazer tirar fotos com desconhecidos, de passear de carrinho de mão. só ele passava a tarde na cama assistindo bambalalão e acreditava que os ursos e as bonecas mereciam ser bem alimentados com comidinhas imaginárias!

ele era assim. e de alguma forma ainda é... porque ele está em tudo que eu sou! porque gosto de saber que meus olhos lembram os olhos dele... uma parte minha que eu amo e que não abandono.

segunda-feira, 28 de julho de 2008

quem me visse a escrever assim, impulsiva e descontroladamente, pensaria que eu tenho algo relevante a dizer. quem me visse debruçada sobre essas folhas brancas, na semi claridade estragando as vistas, consumindo mais nicotina que o habitual, enquanto um mundo inteiro de coisas pendente grita e me solicita, pensaria que eu me entreguei àquela velha melancolia.

mas não. ela apenas me pesa um pouco mais, mas logo ela abranda e voltamos a seguir juntas e sem incômodos mútuos. logo seremossó nós duas, num espaço bem limitado, como num confinamento, ou num casamento.

talvez ela se desagarre de mim. mas não estou certa disso, uma vez que ela, com aquele seus olhos de tristeza, me encanta e sem ela talvez eu não tenha rumo nessa vida. então eu deixo que ela fique. esticada no sofá, entre as roupas no armário, ela se mistura com o cheiro de saudade e café. e o cheiro fica assim: café com saudade e melancolia. ah, e um pouquinho de açúcar mascavo, que deixa tudo doce e com gostinho de rapadura. e eu gosto. quase tanto quanto gosto de ti. talvez um pouco mais.

domingo, 27 de julho de 2008

sei que te desagrado e isso nem me surpreende. logo eu! uma garota com dificuldades em auto-afirmação, capaz de passar infinitas horas explicando-se sem conseguir se definir.

eu deveria me esforçar, talvez insistir mais um pouquinho, porém mais uma demonstração que a mim pareça hostilidade, muito me desagradaria... deixa pra lá.

prefiro um longo suspiro acompanhado de um 'pouco me importa'. é a coisa qu eu mais gosto de dizer, depois de 'vamos embora?'.

um entre tantos outros, cujos rostos imóveis em fotografias propositalmente mal focadas, hoje, sequer remetem ao que um dia representaram.

se os que passam por nossas vidas, o fazem como ondas, eu não serei peixe que rodopia na mesma orla. sigo procurando por aqueles que permanecem. ou que ao menos se preocupem pro nosso laço não desatar. eu cuidando daqui e tu cuidando daí! =)

mas eu acredito, e desconfio que não estou errada em acreditar, que nesse mundo doido ainda existem pessoas capazes de não tratar com desdém um gesto de atenção, ou simplesmente dizer sobre o que não lhes interessa, sem precisar esconder-se.

não sei de quem é a culpa disso tudo. eu deveria dizer logo sem rodeios, que eu simplesmente odeio ter a sensação de me sentir evitada... mas um dia eu perco essa minha mania de divagar sobre coisas desimportantes.

um dia desses...

'todo dia ela faz tudo sempre igual...'

acorda disposta a visitar imóveis. consulta a lista telefonica. imobiliárias. procura site na internet. liga. agenda duas visitas. marca horário pra retirar chaves. verifica no mapa. quatro quilômetros. resolve ir de bicicleta. vai de bicicleta. acha ótimo aquele vento no rosto. distrai-se com os lugares por onde passa. resolve passear mais um pouquinho. para pra tomar um caldo de cana. se sente o máximo por tomar um caldo de cana numa tarde de quarta-feira tão bonita. conversa um pouco com o garapeiro. despede-se. passeia mais um pouco de bicicleta. desiste dos imóveis e das chaves. volta pra casa empurrando a bicicleta pois não aguenta mais pedalar. patéticamente realizada. sente-se ligeiramente culpada. precisa encontrar logo uma casa nova. trata de abandonar a culpa num canto qualquer. vai pra cozinha e prepara bolo de fubá e café. perde algum tempo na internet. procura alguém pra acompanha-la no jogo do guarani. de todas as mil pessoas que conheçe e que poderiam lhe fazer companhia não encontra ninguém. vai ao jogo sozinha. vitória do seu time do coração. felicidade deve ser bem parecido com o que sente agora.

considera que pra um dia perfeito só faltou um certo sorriso.

quinta-feira, 17 de julho de 2008

girassol

mais uma do meu 'momento prosa e poesia'!

essencialmente coisas escritas já algum tempo...

reticências do que eu sou e que não costumo dividir. (melhor, não costumava, né?)

vou-me aproveitando enquanto ainda estou 'de bem' de mim... e 'versejando' vou preenchendo minha ausência de inspiração!

faço dessa sua ausência umas mil letras
palavras que se encontram ao acaso, sem nada dizer
lembrança com cheiro de flor amarela
um girassol que eu plantei pra você

vou-me num passeio sem rumo
perseguindo olhares que miram o chão
de tanto concreto, calçada e asfalto
fará falta essa tua doçura e tua força
tuas cores de calma tempestade

se levou pra tão longe
teu sorriso de menino e todo o resto também
leva contigo meu nome que agora já é teu
leva os meus olhos, já que não me leva
não os deixe assim a te procurar

e se deixar,
deixa que eu cuido de plantar na memória
uma semente pra te lembrar
quando o sol sombrear de tarde
que aqui sempre brotará uma flor amarela
e que agora se chama saudade

segunda-feira, 14 de julho de 2008

haverá estrela

mesmo que eu me distraia
e na minha tristeza
eu me esqueça de olhar o céu
sempre haverá um céu
sempre haverá uma nuvem
a se desmanchar em chuva
pra molhar um abraço
um beijo
um sorriso
ou simplesmente confundir uma lágrima

mesmo que eu não suspire
com o incansável brilhar das estrelas
e se eu não souber o que desejar
quando uma delas
se morrerlá longe
sempre haverá uma estrela
e haverá muitas outras
a se jogare se perder
no silêncio de uma noite sem lua

e mesmo que eu não chore mais
ao ouvir aquela canção
mesmo que a tua lembrança não me inspire
mesmo que eu não me lembre
do seu rosto contra o sol
sempre haverá uma canção
uma poesia
um verso
uma palavra apenas
sempre haverá lágrimas
ainda que contidas
mas que persistem
distantes e vazias
como o brilho pálido daquela estrela

quinta-feira, 10 de julho de 2008

trilhares

eu trabalho com crianças. mais que isso, porque eu penso nelas muito além das seis horas diárias de convivência que temos dentro da escola. eu sou assim, apaixonada por pessoas pequenininhas, com aquele olhar de descoberta e deslumbre sobre as coisas do mundo...

não poucas vezes, remeto a minha infância. é nas lembranças e memórias que encontro o que preciso pra responder a tanta vontade, a tanta disposição que os pequenos sempre querem de mim. e eu sinto que quanto mais me dedico, mais eles solicitam.

eu morei numa cidadezinha no interior do paraná. e lá eu vi coisas que muitas pessoas da minha idade que eu conheço não têm sequer noção do que seja. por exemplo: eu sei o cheiro que têm sabão caseiro, feito com soda cáustica e gordura (esse cheiro tráz uma lembraça de minha avó). eu sei como é o grito de um porco quando está sendo morto com uma machadada na cabeça. já tive bicho de pé, não só nos pés, mas nas pernas e nas mãos também. sei como é ferida de leite de manga verde. já moí café e adorava sentir os grãos sendo triturados e o cheiro gostoso que ficava grudado na gente depois.

já tomei banho em chuveiro a gás e também em chuveiro que nem era chuveiro: era uma lata que enchiamos de água quente e íamos puxando uma cordinha pra ela cair na nossa cabeça... quando acabasse, paciência!

sei como é banheiro orgânico (vulgo casinha) quatro paredes de madeira e um burraco no chão! gostava de arrancar cabelos de espiga de milho e brinquei de casinha dentro de um chiqueiro. chorava quando matavam alguma galinha.

ou seja, eu sou um bicho do mato disfarçado!

e eu me lembro da minha avó materna, com seu cachecól azul que nunca era lavado, com suas unhas compridas que beliscavam doído quando eu, minha irmã e os primos aprontavamos alguma! corríamos por aquele quintal enorme de terra batida e muitas árvores, e a velha atrás de nós com uma vassoura na mão!

- mas que menina, menina! aaaahhh menina! se eu te pego, menina!

entre essas e outras coisas, eu cresci ainda com a sensação de que não cresci. e é essa aline, a mesma que corria da avó pelo quintal, que esquentava os pés sujos perto do fogão a lenha, que não era flor que se cheirasse, mas talvez continue não sendo, que acorda todo dia às cinco e quarenta da manhã disposta a aprender um pouco e doar-se um pouco aos pequenos!

esse post era pra ser só uma introdução, porque o que de fato eu queria era colocar um vídeo da canção 'trilhares' do palavra cantada aqui. mas não encontrei nenhum (o youtube é uma droga!) essa musiquinha aí, tão simplezinha, tão curtinha, foi que me fez voltar assim nas lembranças... (nem sei o porquê) e em ter o desejo de compartilhá-las! momento nostalgias de aline...

trilhares
(paulo tatit)

as estrelas que de noite eu via
todas elas lá no céu estão
mesmo sem vê-las durante o dia
piscam no céu com o sol gordão

são trilhares de estrelas e eu nem sabia
que estão lá no céu até mesmo de dia

como pode o céu ter tanta estrela?
como pode, parece um mar de areia

a areia que na praia eu via
tantos grãos que estão lá no chão
punhadinho de areia que eu pego na mão
tantos grãos que não cabem na numeração

são trilhares de grãos e eu nem sabia
que esse número aumenta de noite e de dia

como pode uma praia tem tanta areia?
como pode, parece um céu de estrelas

tanta areia
tanta estrela


segunda-feira, 7 de julho de 2008

flicts

uma cor feinha. um beginho sem sal. tipo cor-de-burro-quando-foge!

não estava nas flores, não estava no arco-íris, simplesmente não se encontrava!

que "não tinha a força do vermelho, a imensidão do amarelo, nem a paz do azul. era apenas o fragil, feio e aflito flicts"

acho que todo mundo já se sentiu um tanto flicts!

se sente assim como uma folha solta, meio sozinho entre coisas onde não se reconheçe...

mas, de repente a gente se descobre onde menos espera! num passeio de bicicleta, em conversas que poderiam nunca acabar, num filme antigo, num sonho que parecia impossível mas que era só como se olhava pra ele... e de repente ele fica bem perto! e essas coisas tem formas esquisitas de acontecer na vida... num dia são banais, no outro passam a ser essenciais! e a gente nem lembra porque nunca deu importância...

não importa quanto tempo demore, cada um vai saber quando encontrar o que é seu!

como flicts que depois de tanto procurar, descobriu que uma coisa tão linda como a lua também é flicts!!!

e pensando bem... esse blog é assim um pouco flicts também...

sexta-feira, 4 de julho de 2008

caos e jardim

sabe... é muito mais do que o que você pode ver.
e eu sou muito além dessas linhas que escrevo.
por mais que elas tragam algo de mim.
o que eu sou de fato está guardado numa caixa.
que eu enterrei no quintal, perto da goiabeira.

sou sentimentos confusos.
desejos reprimidos.
palavras não ditas.
versos mal escritos.
lágrimas contidas.

sou chuva inoportuna.
e o sol ardido de depois.
sou uma mosca na velha.
e sou a velha a fiar.

trago minha casa nos ombros
e dentro dela uma porção de histórias.
verdades banais, mentiras brilhantes.
se encontram mas mais frequentemente perdem-se.

e eu também me perco.
entre quem eu não sou e quem eu gostaria de ser.
idealizo-me. confundo-me.

busco razões e justificativas.
e o que encontro é caos e jardim.