quinta-feira, 10 de julho de 2008

trilhares

eu trabalho com crianças. mais que isso, porque eu penso nelas muito além das seis horas diárias de convivência que temos dentro da escola. eu sou assim, apaixonada por pessoas pequenininhas, com aquele olhar de descoberta e deslumbre sobre as coisas do mundo...

não poucas vezes, remeto a minha infância. é nas lembranças e memórias que encontro o que preciso pra responder a tanta vontade, a tanta disposição que os pequenos sempre querem de mim. e eu sinto que quanto mais me dedico, mais eles solicitam.

eu morei numa cidadezinha no interior do paraná. e lá eu vi coisas que muitas pessoas da minha idade que eu conheço não têm sequer noção do que seja. por exemplo: eu sei o cheiro que têm sabão caseiro, feito com soda cáustica e gordura (esse cheiro tráz uma lembraça de minha avó). eu sei como é o grito de um porco quando está sendo morto com uma machadada na cabeça. já tive bicho de pé, não só nos pés, mas nas pernas e nas mãos também. sei como é ferida de leite de manga verde. já moí café e adorava sentir os grãos sendo triturados e o cheiro gostoso que ficava grudado na gente depois.

já tomei banho em chuveiro a gás e também em chuveiro que nem era chuveiro: era uma lata que enchiamos de água quente e íamos puxando uma cordinha pra ela cair na nossa cabeça... quando acabasse, paciência!

sei como é banheiro orgânico (vulgo casinha) quatro paredes de madeira e um burraco no chão! gostava de arrancar cabelos de espiga de milho e brinquei de casinha dentro de um chiqueiro. chorava quando matavam alguma galinha.

ou seja, eu sou um bicho do mato disfarçado!

e eu me lembro da minha avó materna, com seu cachecól azul que nunca era lavado, com suas unhas compridas que beliscavam doído quando eu, minha irmã e os primos aprontavamos alguma! corríamos por aquele quintal enorme de terra batida e muitas árvores, e a velha atrás de nós com uma vassoura na mão!

- mas que menina, menina! aaaahhh menina! se eu te pego, menina!

entre essas e outras coisas, eu cresci ainda com a sensação de que não cresci. e é essa aline, a mesma que corria da avó pelo quintal, que esquentava os pés sujos perto do fogão a lenha, que não era flor que se cheirasse, mas talvez continue não sendo, que acorda todo dia às cinco e quarenta da manhã disposta a aprender um pouco e doar-se um pouco aos pequenos!

esse post era pra ser só uma introdução, porque o que de fato eu queria era colocar um vídeo da canção 'trilhares' do palavra cantada aqui. mas não encontrei nenhum (o youtube é uma droga!) essa musiquinha aí, tão simplezinha, tão curtinha, foi que me fez voltar assim nas lembranças... (nem sei o porquê) e em ter o desejo de compartilhá-las! momento nostalgias de aline...

trilhares
(paulo tatit)

as estrelas que de noite eu via
todas elas lá no céu estão
mesmo sem vê-las durante o dia
piscam no céu com o sol gordão

são trilhares de estrelas e eu nem sabia
que estão lá no céu até mesmo de dia

como pode o céu ter tanta estrela?
como pode, parece um mar de areia

a areia que na praia eu via
tantos grãos que estão lá no chão
punhadinho de areia que eu pego na mão
tantos grãos que não cabem na numeração

são trilhares de grãos e eu nem sabia
que esse número aumenta de noite e de dia

como pode uma praia tem tanta areia?
como pode, parece um céu de estrelas

tanta areia
tanta estrela