quarta-feira, 26 de novembro de 2008

ônibus

parado próximo ao poste pintado de azul e branco, ele agita freneticamente o braço esquerdo. com o direito segura um guarda-chuva estampado com hibiscos amarelos. o veículo reduz velocidade até parar, a porta se abre mecanicamente, ele entra, sacode o guarda-chuva de uma forma assim charmosamente desajeitada [desculpem-me, não encontrei no meu vocabulário limitado um termo mais adequado ao gesto]. eu reparo. hibiscos são minhas flores preferidas. gosto de lírios e de anturios, desses últimos principalmente pela forma, mas tenho apreço especial pelos hibiscos. ele vai até o cobrador, paga dois reais e trinta centavos e fica ali em pé. eu desligo o 'walkman' [na verdade uma dessas maquininhas modernas de ouvir música, mas eu gosto de usar termos que estão em desuso]justamente no momento que jorge drexler ia dizer 'con las luces de la aurora, junto a tus sandalias planas que compraste aquella vez en salvador de bahía'. eu adoro essa parte da canção, mas foi bastante providencial que eu deixasse de ouví-la naquele momento. assim que me livrei dos fones de ouvido o cobrador diz ao moço desajeitado 'não vai passar a catraca?' o moço me olha, sentada num banco reservado a obesos [não é ironia], no lado anterior a catraca e diz ao cobrador 'preciso passar?' sim, ele me olha, apesar do batom novo, que era pra ser rosa, como de penélope cruz no cartaz de volver, mas é roxo e não combinou com a minha pele, mas combina com minhas calças roxas. o cobrador, obviamente não se dá o trabalho de responder o questionamento do moço, uma vez que esse já procura um assento e sem olhá-lo diretamente eu percebo que ele usa tênis listrado e os tênis estão ensopados, assim como a barra da calça. percebo também que ele se senta exatamente atrás de mim, de forma que ele tem uma visão privilegiada da parte posterior da minha cabeça e dos meus cabelos maltratados, cheios daqueles fiozinhos quebrados que insistem em arrepiar quando o tempo está úmido como estava nesse dia. olhei para baixo, um fio de água escorria pelo chão vindo de trás, possivelmente do guarda-chuva de hibiscos.

não saberia com precisão, mas foi muitíssimo rápido, ele cantarolou 'tu boca roja en la mía, la copa que gira en mi mano' virei-me ao mesmo tempo que me xingava mentalmente de muitos nomes por não ter escolhido o batom vermelho naquele dia, que é muito mais bonito que o roxo. 'estava agora mesmo ouvindo essa música' ele sorriu sem mostrar os dentes 'jorge drexler é ótimo.'

de repente e muito alto: ei! pode parar aqui! vou descer! e eu: moço, é só apertar o botão. 'qual??? o laranja???' sem esperar resposta ou agradeçer levanta-se, aperta o dito botão, espera a parada seguinte e desce abrindo o guarda-chuva de amarelos hibiscos, que só nessa hora eu reparo está com uma haste quebrada.

esse batom deve ser uma coisa assim assustadora.