quarta-feira, 19 de novembro de 2008

o lado bom

deve existir. se existem por aí tantas coisas, abelhas, redemoinhos, guitarras, deuses e pato donald também existe. existe papai noel quando é natal, mesmo que de mentira, mas existe. existe mil mãos, uma de cada jeito, tamanho, cor e disposição. existem os seres que repousam ao pé do meu ouvido e passam horas a sussurar palavras que nem sempre entendo, mas registro. e sobre tudo que existe há coisas pra se dizer a respeito. dizer bem, dizer mal, e mesmo quando cala ainda assim, diz. diz que vem e que ficará por mil anos, diz que os ventos que te trazem são doces e sopram sempre nas noites de verão. porque são esses os ventos bons, que ajudam a secar e refrescar a pele.

diziam em outros tempos que uma carta sempre deve conter novidades. isso quando ainda eram escritas as cartas. elegância nunca foi o meu forte e eu gastava horas me desmanchando sobre as páginas na esperança que de repente, da ponta do lápis brotasse uma novidade qualquer: estou grávida, nosso filho nasceu morto, troquei sua coleção de tampinhas por uma codorna, sou uma filha da puta e escrevi um livro sobre uma mulher que comeu uma barata. não só por esse, mas muitos outros motivos, entre eles a falta de destinatário, as cartas permanecem inacabadas e não enviadas.

falando em destino, e em coisas que existem, eu digo: o destino não existe. diferentemente do inferno astral e de outras baboseiras dessa natureza porque o inferno astral não só existe, como é quente e colorido. ele é como que uma indignação com o mundo por ele continuar a girar nesse mesmo embalo enquanto você está ficando velho. tudo em volta te olha e sorri, sem abrir os lábios e diz apenas: pouco me importa. pronto! logo você que nunca dorme, passa a se entregar aos lencóis por doze horas ininterruptas, tendo sonhos totalmente nítidos e bizarros e passa o dia rindo sozinha lembrando os tais sonhos enquanto devora um pote inteiro de sorvete de limão com bastante leite condensado.

enfim, fracasso é a própria demolição moral de qualquer pessoa, já disse o gabo alguma vez em algum lugar que eu nem sei onde. resta aos fracassados a digna humildade, que sempre foi a virtude dos incompetentes, como eu. eu até posaria nua se isso tivesse alguma relevância pra quem quer que seja, mas nem isso. as pessoas ainda gostam de mim e isso existe em alguns momentos e inexiste em outros. mas as pessoas definitivamente não querem me ver pelada. mais propriamente elas amam querer saber meu desempenho nisso ou naquilo, daí se sentem bem em ter me ofertado alguma atenção como se eu ficar falando e falando e falando da minha vida, dos meus mortos e dos meus caminhos tortos, fosse assim, tudo que eu precisava naquele momento. e às vezes elas estão certas. essa necessidade existe. mas nem sempre. as pessoas são pretenciosas. eu sou pretenciosa. mas não muito. minha insegurança não me permite sentir assim, muito genial. e os fatos estão aí pra me lembrar que é assim que é mesmo.

sigo em silêncio. não que eu não tenha o que dizer. queria tanto dizer coisas pra te impressionar, queria tanto falar por horas e horas e horas, te contar toda a minha vida imprestável, desde a minha primeira lembrança, o primeiro filme que eu vi no cinema, meu primeiro amor platônico, todos os medos, da vez que quebrei o braço, da vez que quebrei a perna, a primeira vez que eu vi o mar. mas quando estou com você, tudo me parece sem importância, tudo parece bobo demais, minhas nostalgias parecem apenas idiotices de garota do interior, e eu até tento me lembrar alguma coisa bacana que aconteceu outro dia, mas quando eu abro a boca só sai merda. daí eu me calo. daí eu fica querendo de volta a minha cabana embaixo do abacateiro. mas o abacateiro nem existe mais porque as raízes dele fizeram cair o muro e gastamos muito dinheiro para refazer o abacateiro e arrancar fora o muro. oops! digo, refazer o muro e arrancar fora o abacateiro. porque o que é de concreto sempre foi mais importante. sigo em silêncio e só.

e é nesse estar só, sempre aqui, sempre por tantas horas que eu queria dividir contigo algum dia. não muitos, alguns. mas eu queria que existisse. não como o frio, porque esse não existe. é apenas a ausência de calor. e eu fico pensando existe existe existe. não existe.