sábado, 15 de novembro de 2008

nossa dor

ela bem sabe e também há tempos já percebi que essa dor não é daquelas que passa com duas ou três doses e um baseado. por isso, principalmennte por essa capacidade que o doer tem de ser linear e constante, nos mantínhamos fielmente agarrados a nossa dor, com todo cuidado para não dispersá-la entre uma alegria boba qualquer e outra, não deixávamos que essa se espalhasse pelo ar como poeira de pensamento.

as vezes, quase sempre, ela me procurava na madrugada. vinha com aquele choro baixinho, entrava sem pedir por entre o cobertor, dizia não conseguir dormir lá no seu canto sozinha, que sentia medo por senti-lo ainda tão presente no vazio silêncioso das noites de pouco sono.

eu a recebia sem perguntas e confesso que até anseava por suas visitas noturnas. para beijar-lhe as lágrimas quentes e abraçadas ainda libertava-a da camisola e fazíamos tudo bem lentamente.

eu também sofria, porque mantinha em segredo meus ciúmes de macho e sabia da facilidade dela em retribuir com carícias doces qualquer atenção que lhe fosse ofertada. ainda assim, esforçava-me por não imaginar as outras mãos que sempre lhe tocavam todas as noites em que ela não aparecia.

minha pequena! ainda recordo o delicioso azedume de seu hálito quando de manhã. e eu respirava o ar que saia por sua boca calma. beijava-a nos lábios e ela nunca despertava. me aproveitava e insistia pelos ombros, braços, dedos, ventre e ela só sorria de olhos ainda fechados quando eu alcançava com meu rosto por entre suas pernas.

era um despertar sempre colorido, durante o dia as horas pareciam vagar como que entre os mortos. eu morria a cada amanhecer quando precisava deixá-la sentindo sozinha seu corpo esfriar pela cama. eu era morto até reencontrar-me com sua presença afogada em lágrimas a cada madrugada.

era a dor que necessitávamos. que nos justificava. mas não só isso. porque nela e em mim, fatalmente a dor doía.