domingo, 19 de outubro de 2008

não precisávamos dormir, e na verdade nem queríamos. exaustas e felizes, brincado de fazer anéis de fumaça com o cigarro que dividíamos enquanto esperávamos minhas roupas se secarem.

a chuva nos encontrou despreparadas, mas nem por isso nos apressamos. ela me convidou pra um banho, temendo um resfriado. aceitei prontamente. o banheiro dela era um cubículo anexado a um quartinho maltratado. já era noite e ela acendeu uma luminária de tecido colorido, o que aqueceu as paredes, o armário, o porta-retratos e a nós.

nos despojamos das roupas molhadas e entramos no banho juntas. pela falta de espaço ela aproximou seu corpo magro ao meu. em algumas partes nos tocamos levemente. lembrei-me do tempo em que éramos meninas, de nossas descobertas partilhadas. ela sempre foi esguia. aos doze queria ter mais peito, mais bunda. nessa época ela me chamava de burra por esconder entre moletons e camisetas minhas saliências que já destacavam-se aqui e ali.

pedi que me deixasse ensaboá-la, ela consentiu. cobri-lhe de espuma, massageei suas curvas discretas como se fosse ela minha criança. beijei-lhe os ombros, as costas, os dedos e tudo quanto minha boca alcançou. senti o gosto dela misturado com água quente. ela ficou ali quietinha como sempre foi. buscamos o velho colchão e ali permanecemos entre nossas lembranças e buscando uma na outra qualquer coisa que nos prendesse a outros tempos.

beijei-lhe os olhos e eles também eram meus. senti uma pena daqueles que vagam por aí pela noite. mas chegava a ser uma pena de alegria. eles não a conheciam! era só a menina e eu.

de roupas já secas fiz o caminho de volta ao meu posto. fará falta a mim a água e a luz quente do quarto estreito. eu era dela. e eu já sabia disso.